segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Ladeira abaixo

É como descer uma ladeira. Uma ladeira bem íngreme e bem funda para dentro de si. Você começa a correr sem vontade, depois por gosto e, no fim, já não consegue parar.

Você quer parar de correr, quer continuar com a vida e suas coisas frágeis de andar, mas não consegue. Você desce desenfreado, como se suas pernas tivessem uma vida só delas. Como se elas descobrissem que foram feitas para correr e não quisessem mais, jamais, parar de novo.

E você corre e corre e corre, sem muito destino, sem muita direção, trocando os passos, se atropelando, sentindo o sangue inchar o nariz, como uma premonição da queda certeira.

Mas a queda não importa às suas pernas. E elas correm e correm e correm, cada vez mais rápidas, cada vez mais para o fundo. E, no fim, se não trilham o caminho certo, ou se são desengonçadas enquanto você queria ser elegante, não importa. Importa é que algum caminho se fez. E importa que você conseguiu ir mais fundo para dentro de si.

Eu sou assim. Sou assim, só que com a escrita. No lugar de pernas, dedos frenéticos. Dedos que no começo se recusam a correr pelas teclas, demoram, se espicham, reclamam. Mas que logo aprendem os caminhos da ficção e não querem mais descanso. Só querem o tec,tec,tec, rápido das teclas em que batem. E aí me desgoverno.

Aí perco a prosa e me preparo para a cara no chão. Hoje foi assim. Eu falava com uma amiga até não poder mais. E de repente a conexão falhou. E eu precisei fazer algo de mim. Peguei um texto começado, então. Esperança de ser um futuro segundo livro, publicado pela mesma editora do futuro primeiro livro.

Comecei sem tom e logo o texto se fez. E eu me desfiz. 12 páginas. Direto. Sem pausa nem para olhar ao lado. Depois um e-mail, longuíssimo, ao editor. (Sou dos que se descontrolam e escrevem, então, até mais do que aquilo que os outros tem paciência de ler). Esqueço que para meu meio tempo de escrever há um tempo inteiro de ler e responder.

Me podei de lá. Coitado, tão atarefado o moço e eu ainda a lhe despejar meu jorro vazio e vocabular. Ele precisa de espaço, entre minhas letras, para responder e respirar. A quem direciono então o castigo? A quem eu escrevo porque simplesmente não posso parar de escrever? A você!

Pois é certo. A você.

A você que não tem rosto, a você que nem sempre existe, a você que talvez nunca venha a ler essa prosopopéia que descamba – já rolando – a ladeira. Porque é assim que o escritor se sente. Sozinho.

Ele é lido, mas não sabe. Não faz ideia. A menos que você diga alguma coisa. Então tudo se ilumina. Mas você raramente diz. Raramente lê, decerto também. Não é sua culpa, meu amor. Não há tempo. Eu sei. Poucos desfrutam da inutilidade que é ler. Ou escrever, a propósito.

Inutilidade que salva, à qual eu dedico minha vida em altar nu de sacrifício, mas inutilidade para você, confessemos.

E nessa confissão as pernas/dedos finalmente tropeçam, em algum lugar entre o enter e a barra de espaços. Finalmente. Exausto, ralado e arranhado, mas de sorriso na cara eu paro. E eu paro como se tivesse valido a pena, mesmo que seja só para eu mesmo rir do tombo.



3 comentários:

  1. Sabemos os caminhos de saída dos nossos infernos. Voltamos para lembrar disso.

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  2. EU PEÇO COM UM MISTO DE SEI LÁ O QUE QUE VC CONTINUE SEMPRE ROLANDO A LADEIRA.
    E CONCORDO QUE O ESCRITOR SEJA SOZINHO, MAS LER VC ME FAZ NÃO ME SENTIR MAIS SOZINHA.FICO CHEIA.
    E AS VEZES ATÉ QUASE FELIZ.
    LER VC, MEU ANJO MALDITO, NUNCA SERÁ UMA INUTILIDADE, É SIM POR VEZES SALVAÇÃO, REDENÇÃO,PULSAÇÃO E GRITO.
    JÁ SABIDO NOVAMENTE ENTÃO TE LEIO, TE CONSUMO E DESÇO TAMBÉM LADEIRA ABAIXO NAS TUAS PALAVRAS E QUER SABER MAIS: NEM CUIDO DAS FERIDAS E SIM AS COLECIONO. ABRAÇOS.

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