quinta-feira, 18 de outubro de 2012

A afronta da Baronesa


Convidaram, então, a Baronesa para a festa no curral. Um erro, obviamente, mas o que se poderia fazer se ela estava mesmo em visita ao primo Genésio? Seria má educação não fazer o convite. Fizeram, mas avisando que a festa era de gente simples. Ela que não... fosse estranhasse. A Baronesa, muito cortês, aceitou o convite e fez de tudo para adequar-se à simplicidade citada.

Entre os vestidos que tinha – quase todos vindos da Europa a mando do falecido Barão – a mulher escolheu o mais simples, com menos rendas, com menos cores, com menos elegância nos tecidos e com menos bordados nos arremates. As jóias tirou todas, colares, pulseiras, anéis, brincos... Só deixou as duas alianças. Não passou pó de arroz nem blush. O único luxo a que se dignou foi ao perfume de laranjeira. Mais por hábito do que por consciência, inclusive.

Chegou à festa transformada em sorrisos e cordialidade. Mal chegou e fez-se o burburinho. “Que luxo! Não tem vergonha essa daí! Aposto que veio só pra se exibi! Antes a gente não tivesse convidado ela. Se era pra vim fazer assim... Garanto que tá dando risada da nossa cara, da nossa ropa, das comida que a gente feiz. Broaca! Parece uma prostituta de tão pintada. Olha só! E as jóias, heim? Deve tê tirado pra ninguém robá. Ah, mas dexô as aliança. Olha lá. Isso é só pra mostrá que tem dinhero! Cadela. E viu o perfume? Nem puta ainda fedendo tanto assim”

O momento do jantar foi terrível também. Enquanto todos comiam com as mãos e sofregamente, a Baronesa juntava bocadinhos com as pontas dos dedos e os levava delicadamente à boca. É que não havia talheres à mesa e, para ela, seria descortês perguntar. Comia aos poucos e sem jeito, desconfortável pela falta de hábito.

“Olha só o jeito que come! Pensa que é uma pombinha. Que nada, tá é com nojo da nossa comida. Olha, pega cas pontinha dos dedo... Que vaca! Como ela não fosse cagá que nem nóis depois! Parece que tem medo de se sujá. Não sei porque que veio, se era pra fazê cara de nojo!”

O próprio primo Genésio não sabia onde enfiar a cara, tamanha vergonha. Era só olhar feio que recebia. Sorria a todos como que se desculpando pela ostentação da convidada.

Mas foi quando chegou o momento das danças é que a coisa terminou realmente mal. Um moço desavisado, encantado com a novidade, decidiu tirar a Baronesa para dançar. Como o tempo de luto já passara e como estava ali fazendo o possível para se entrosar e ser agradável, a Baronesa aceitou o convite assim dizendo:

— És muito galante, meu rapaz. Certamente eu ficaria honrada.

Tudo então embaralhou-se. Só se ouviu o grito de “filho meu não é galhante coisa nenhuma, sua vaca!” enquanto a mãe do jovem partiu aos tapas sobre a elegância simplificada da Baronesa. Foi o que precisou para que todos os outros fizessem o mesmo. A pobre Baronesa teve o cabelo despenteado aos safanões, a roupa rasgada palmo por palmo e a pele pintada de vermelho e roxo e sangue.

E era bem feito. Bem feito, pensava até o primo Genésio. Fizeram o favor de convidá-la e ela fizera aquela presepada toda, esbanjando luxo para humilhá-los, comendo com nojo para constrangê-los e agora, não satisfeita, ainda xingava o rapaz que só queria lhe tirar para a dança. Ah, não, merecia mesmo a coça.

Só para se cobrar, Genésio abriu caminho entre aquela gente toda. Queria dar à prima sua pancada também. Afinal, fora ele o mais humilhado.. Quando chegou até ela, porém, viu que já não era necessário: a Baronesa estava morta. Ainda assim bateu. Bateu com força, bateu com vontade. Bateu porque, afinal, não fora pouco o desaforo.





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