terça-feira, 2 de junho de 2009

Da Feira da Pintura

Começou pintando coisas em uma agenda velha de ano antigo. Não mostrou ao pai, nem à mãe; guardou.
Na escola, desenhava bem, pintava ainda melhor, diziam que tinha talento. A professora de Artes, matéria favorita do menino, uma vez até pediu para ficar com um de seus desenhos. Era realmente uma imagem muito bonita, de céu escuro e bastante verde nas colinas, onde ardia uma fogueira, vermelha.
Segundo a professora, a tela ganhou ares de destaque, emoldurada na sala de sua casa.
Contou ao pai e à mãe, mostrou-lhes outros desenhos, ao que o pai disse:
— Realmente, muito bonitos.
Mas não olhou direito.
Já a mãe, sempre dotada de atenção gratuita e desmedida, respondeu:
— Não vês que estou descascando batatas? Pois agora não tenho tempo de ver seus rabiscos.
O menino não se importunou muito e foi ao quarto pintar mais.
Antes mesmo dos 15 anos, já ganhara no mínimo quatro concursos com seus retratos. Gozava de certa fama na cidade pequena, quase uma aldeia.
Então coisas aconteceram. Não é que não soubesse mais pintar, mas depois de alguns anos suas pinturas perderam a fama, esqueceram seu espaço, de modo que aos 20 e poucos, quase nada se falava delas.
O sonho do menino? Ser um pintor.
O incrível é que já o era, mas sem ter feito exposição de suas telas, não se considerava, nem era considerado.
Foi nesta época, mais ou menos, que promoveram na cidade a 11ª Feira da Pintura. Ele estava lá, quando apresentaram os pintores da cidade, mas não entre eles: uma delas pintava vasos de flor; outro, paisagens e o último, ao que se sabia, era pintor de paredes.
Caso perguntassem a um dos três, porque pintavam, não teriam resposta.
O único pintor verdadeiro da cidade, assistia à palestra, não palestrava. Porque enquanto aqueles lá pintavam com os dedos, o rapaz pintava com a alma.
A organizadora de tudo era sua parenta, que nem o incentivava, nem o repelia, apenas ignorava que ele soubesse pintar. Como igualmente ignoravam-lhe os professores que antes lhe prometiam talento.
— Então é assim? Só assim? Será que acaso não sei mais pintar? De uma hora para outra minha pintura se transformou em fracasso?
O menino via, em desespero, seus sonhos formados de tintas vãs. Sim, porque àquela época já sua vida era a pintura. Não conhecia outra forma de ser, senão artista. E como sofrem os artistas, como sofrem... ainda mais os irreconhecidos.
Um dia depois da feira, na mesma agenda velha, ele escreveu assim, de tinta bem roxa: “Não importa. Não importa porque o meu modo de conseguir foi sempre brigando. Não importa porque tudo que tenho, foi pelo meu esforço. Mas sabe que é melhor. Assim, quando eu chegar lá, vou agradecer a quem é realmente importante para mim, não como forma de pagar favor. Porque se ninguém acredita em mim, eu me acredito, e isso precisa bastar. Porque se para eles eu sou mais um, levemente talentoso, para mim eu sou tudo. Sou uma alma que se imprime em quadros. Então os outros, que pintam paredes, valem uma subida ao palco e eu, que pinto sentimentos, não? Não. Também não importa, porque eles morrerão pintando paredes, ao passo que eu mereço mais que este palco à pique. Eu preciso acreditar, porque se eu não me acreditar, então quem o fará? Não importa que os mestres ignorem meus quadros, nem que a cidade mal saiba que ainda desenho. Minha arte me é e me basta.”
Então, o menino cresceu... e virou Picasso.

4 comentários:

  1. Excelente texto! nada como apenas acreditar em si mesmo!

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  2. Nuss, adorei!
    Nem havia sacado que era um grande pintor conhecido XD

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  3. Particularmente(redundante), apesar do respeito, não gosto das pinturas de Picasso. Prefiro as suas, em tipografia.

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