segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Relicário

Tudo em mim já nasce velho, já vem filtrado por uma película de celofane amarelo e coberto pela poeira do que é ancestral. Tudo se curva sem o estremecimento da novidade. É tudo déjà vu de tom blasé. Em mim o vintage já não é estilo, é normalidade. Minhas fotos envelhecem a ganham vincos tão logo eu as tire. Meus poemas amarelam antes mesmo de eu os terminar de escrever na folha. Penso algo e no instante seguinte eu me ultrapasso.

Os livros que termino de ler viram antigas memórias. Vou ao cinema e sempre me parece que acabei de ver um clássico. Compro coisas novas e no instante seguinte, ainda de etiqueta, elas já são herança antiga.

A TV que assisto é sempre em preto e branco e qualquer “Muito prazer” já tem imiscuído o meu insosso “Adeus”. As novidades que me apresentam, eu já as vi na geração passada. Imberbe sou quase menino, em uma semana a barba me cresce – com fiapos brancos – e tenho quase 54. Meus 18 anos pertencem a qualquer vida passada, só consultada com a ajuda de médiuns muito bons. Minha infância foi pré-jurássica e agora mesmo, dada a hora do dia, minha manhã foi há 2 anos.

O primeiro dia de trabalho tem sempre cara de aposentadoria. E a ideia que me nasce fresca, já cheira a podre, porque de tanto pensá-la já lhe surrupiei a realização. Da música que me encanta, a letra já foi esquecida. Da pintura fresca, a tinta já descasca. Meus amores de tão atemporais já viraram eternos e as amizades não mais que lembranças.

Até eu mesmo já sou só relíquia santa, pedaço da cruz de Cristo vendido às quantidades.

É minha velhice crônica que me rouba o sentido. Por isso a busca sem parar. Por isso o desânimo já de berço. O recém-dito não é mais do que o já dito. O recém-visto é só o já visto. Meu segundo passado já é desbotado. Esse texto aqui mesmo, já me enche como se eu o escrevesse desde 1996. E fotografia que aqui boto foi encontrada no fundo de velhos baús que sobreviveram a duas guerras, três calamidades e um assassinato.

Tudo já me nasce prenhe de cansaço e se não há no mundo o quê descobrir, então para quê? É essa minha falta de sentido. O movimento rápido com que eu apreendo as cosias só faz com que elas fiquem gastas. E é a novidade que encanta e enfeita a vida. É a leveza das descobertas que torna mais bonitas as coisas todas. Que dá a vontade de continuar descobrindo, continuar navegando. Mas que faço eu que conheço do céu o gosto e do mar o vento? Que suspiro a poeira e me esfrego o mofo do corpo? O que eu digo se todas minhas frases já estão sujas e usadas?

Não sei. Não sei e meu não saber já é a moda francesa do século XVI.

2 comentários:

  1. "Olhando o futuro e prevendo o passado."
    Viver cansa,nada é mais novidade,tudo já foi dito visto e feito.
    È rotina de quem tem a alma antiga.
    Nem preciso dizer o quanto me identifico.
    Beijos!

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  2. é engraçado mas isso nunca havia acontecido antes: ao término da leitura, uma lágrima escorreu e um engasgado, emudeceu...

    (...) não consigo dizer mais nada além de saber EXATAMENTE cada palavra...

    BRAVO !!

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