sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Explicações

Eu me sinto elogiado quando afirmam que tenho capacidade para dar aula em faculdade. Porém, fico constrangido quando a esse comentário segue a seguinte frase: “Você está perdendo tempo aqui!” ou uma das suas variações: “O que você está fazendo, então, em uma escola estadual?”.

Eu não compreendo, de verdade. Sempre imaginei que os alunos das escolas públicas merecessem, também, profissionais qualificados. O senso comum parece afirmar o contrário. Paciência, então.

Mesmo assim, vou tentar explicar porque não estou perdendo tempo. Vou explicar, além disso, o que estou ganhando.

Primeiramente, preciso dizer que, de tudo, eu ainda acredito na arte. Faço dela meu evangelho, com direito a salmos, provérbios e orações. Uma frase que me guia muito é aquela dita em “Hoje é dia de Maria: “O que há de ser tem muita força”.

É isso que tem me guiado bem: o que há de ser. Eu não teria conseguido ser digno de qualquer elogio se não tivesse a experiência que tive, com alunos de verdade, em escolas de verdade. Faculdade nenhuma, mestrado nenhum, por melhor que sejam, preparam para um dia depois do outro em uma sala de aula. Só a prática faz isso.

O que há de ser é mais profundo, porém. Hoje, eu consigo perceber exatamente o que precisava aprender em cada escola em que eu estive. Especialmente agora, na 8 de Maio. Se eu não tivesse vivido esse ano, eu seria alguém pior.

No começo desse ano, eu estava muito pior. Como eu já disse, às vezes você entra no magistério com a intenção firme de modificar realidades e, depois de algum tempo, você percebe: essas realidades é que modificaram você. E para pior. Era assim que eu estava e havia muito que eu precisava aprender e melhorar.

Por isso, o que há de ser me colocou na 8. Para que eu aprendesse. Para que eu percebesse que toda teoria dá certo com um pouco de disposição e muito de vontade. Que liderança é acreditar no que faz, acolher, trabalhar de forma humana com seres também humanos. Pessoalmente, percebi que eu podia relaxar, liberar o riso, me permitir ser tocado. Sim, eu também me fiz mais humano. Aprendi que os colegas podem fazer a diferença em cada dia. Aprendi que a gente pode esperar ansioso pela segunda-feira (ou melhor, pela terça) porque o trabalho pode ser prazer, não suplício.

É interessante como essa mesma fala se repete nos demais que trabalham ali. É um prazer estar na escola. Foram muitas as vezes nesse ano em que senti o que os ingleses definiriam como “Bliss”. Algo acima da alegria comum, mais próximo de uma grande euforia. Alegria essa por estar entre pessoas de quem eu aprendi a gostar, por ter espaço e incentivo para fazer o meu melhor, por poder estudar e me qualificar sempre mais, por poder rir, confraternizar, contar com o apoio de cada um.

Não estou aqui perdendo tempo. Estou aqui ganhando aprendizado. Estou aqui ganhando experiência. Estou aqui aprendendo a ser quem eu quero ser. Nós somos as somas de nossas experiências.

Tudo que eu preciso é agradecer por esse ano que foi fantástico e que me mostrou tanto sobre o que eu acredito, sobre uma educação de qualidade e, acima de tudo, capaz de transformar vidas. Obrigado à direção toda, por me fazer acreditar. Aos meus colegas, por serem fantásticos. E, principalmente, aos meus alunos, porque foram eles que mais me ensinaram. Se um dia eu chegar à faculdade, é porque, antes, aprendi o que precisava para estar lá. E isso não me parece, de modo algum, perda de tempo.

2 comentários:

  1. É muito bom ler isso. Minha noiva leciona na prefeitura e este depoimento faz muito sentido. Vivendo só uma vez não sei como as pessoas podem ter tanta certeza que outro caminho seria melhor, perder é um ponto de vista estreito demais.

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  2. Vou dividir com você o que tenho dito para mim: "construa-se no seu tempo, no seu modo e sobretudo com o seu SENTIR".
    Vamos chegar onde tivermos que chegar. Mais cedo ou mais tarde.

    (Tenho orgulho do seu jeito de pensar. Bjs, Si.)

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