domingo, 17 de agosto de 2008

Soneto de Fidelidade

“Mania de fidelidade. Honra. O pai deveria saber que as mulheres assim agitadas não podem mesmo ser fiéis”

Ainda lembro da infância, tão cheia de regras de bom comportamento. Todas as poses e sutilezas que ela poderia ter sonhado entre seus ataques de loucura. Um amor de menino. Flores para as professoras a cada aniversário. Elogios às insignificâncias relevantes. Agradecimentos sorridentes, respeito aos mais velhos, aos mais altos, aos mais fracos. Perfeição e gravatas borboletas nos aniversários. Não sujar a roupinha, não brincar com os pobres, não falar com estranhos, não responder.
Tédio.
Até que percebi que se lhe herdei a pompa, também a loucura poderia me estar no sangue. Responder sim, afrontar sim, perturbar sim, quebrar as regras todas. Um moço rebelde, rebelde demais, perigoso até. Como foi mesmo que ele disse? “Uma criança brincando com cem bombas. Fique longe de mim. Você não sabe o poder que tem”.
Por esta época comecei a questionar, eu conseguiria ser fiel, quando me apaixonasse? Não.
Eu era intenso demais, uma aura rubra, tanto quanto a boca bem marcada. Aquele brilho nos olhos, de quem guarda mistérios e convida a descobri-los. Os gestos forçosamente naturais, os dedos que desenham arabescos no ar, teias de aranha. A voz rouca, inebriante, grossa, sedutora, escorrendo em cascata de arrepios. O conceito de que só o pecado conduz ao paraíso. Quem iria querer a maçã? Eu tinha tantas comigo. Seduzir era diversão, caçar, sagitariano, centauro arqueiro.
Sempre achei fidelidade um conceito um tanto relativo. Eu seria, decidi, fiel aos meus sentimentos. Isso implicava em satisfazer meus instintos e não renegá-los por uma regra de conduta social. Eram regras demais.
Irônico destino. Adivinhem: o amor nos faz fiéis. Perdi a aposta. Eu achei que não poderia mesmo ser fiel, agora sei que não sou capaz de ser infiel. Não por uma questão de regra.
Aqueles olhares, aqueles sorrisos, aquelas insinuações, tudo tão tedioso agora.
Ninguém mais é interessante.
Porque só você perdeu o chinelo no rio quando era pequena e ainda faz a mesma cara de emburrada. Só você sabe que sou viciado em descongestionante nasal e falo coisas inteligíveis depois de bocejar. Só você cabe exata no meu abraço e tem esse cheirinho sempre bom. Só você tem tamanha paixão por borboletas e ri das minhas caretas. Só você me vê chorando e ouve meus problemas. Só você escuta meus contos e palpita neles, antes mesmo de serem escritos. Só você sabe minha preferência em bebidas e só você ri daquele modo quando bebe. Só você conhece meu corpo, cada espaço de arrepios. Só você.
Amor, paixão, sexo, pele, química, cama. Tudo é tão perfeito e é só com você.

2 comentários:

  1. Acredito mais que a fidelidade esteja ligado ao respeito que temos com a pessoa que convivemos, mais o amor propriamente dito. Bonito o texto xD

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  2. "Porque só você perdeu o chinelo no rio quando era pequena e ainda faz a mesma cara de emburrada."
    Tem certas coisas q não mudam mesmo, com certeza a minha cara de emburrada continua a mesma....
    Amei o texto, lindo, lindo como tudo o q tu faz!
    Amo muuuuuito tu, bjooo!
    Tali.

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