“Escrevo-te estas mal traçadas linhas, meu amor”
Sinto que talvez eu não devesse ter ido.
Isso tudo porque não fui, de forma alguma, quem ele esperava encontrar. Posso tornar isso mais complexo: não fui quem eu esperava que ele encontrasse. Simplesmente não consegui manipular o fascínio da forma que queria. A imagem que ele teve de mim foi bem diferente da que eu queria. Mas eu já deveria saber, falando sou um e escrevendo sou outro.
As palavras dele tão finas e cor de vinho, as minhas tão grosseiras de vermelho-batom, palavras vulgares até. Muitos risos e nenhuma graça, fui só mais uma das coisas que respiram. Tantas coisas respiram no mundo, todas tão iguais, lançando ares aquecidos no vento. Eu até então era imortal, era diferente, era especial. Mas eu tive que ir ao encontro, não tive? Agora faço parte da massa humana.
Também, o que a humanidade tinha que evoluir? A evolução roubou o direito dele de receber uma carta minha. O papel tocado, a letra desenhada, a saliva selando o envelope. Se as melhores previsões de uma cigana insossa se concretizarem algum dia, uma carta assim teria valor. Ele poderia mostrar, orgulhoso, aos filhos que quisessem ser como eu. Éramos amigos.
Fascinantes as cartas de Clarice, fascinantes as cartas de Caio. Minha voz se perdeu na tarde, junto ao ar quente das respirações enfáticas. Para sempre. As cartas são tão mais eternas, tão mais ternas. Paciência.
Quem sabe um dia eu lhe mande pelo correio um envelope, com selo colado e dia carimbado, uma lembrança, um agrado. Ainda terei alguma importância? Tanta coisa interessante para dizer, para saber... Somente nas cartas está o destino.
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