quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Natureza Morta

"Escrever não é natural"

Foi quando eu entendi porque escrevia. Acordar, escovar os dentes, ler jornal, ler as placas, ler as letras na TV, ler anúncios em outdoor. Ler é natural, escrever não é. Quantas pessoas escrevem por prazer? Ah, por favor, seus professores de Português, sempre tão preocupados com os erros da sua narração, jamais escreveriam um conto.
Escrevemos, eu sei, e-mails rápidos, listas fáceis, anotações importantes até. Mas tudo por uma força maior. A escrita não é um processo natural. Fantástico. A professora que disse esta frase, na minha opinião, fascinante, ainda disse mais: "Não ensinamos a escrever. Podemos mostrar a forma correta de usar as palavras, formar as frases, construir os parágrafos, mas escrever não." Tudo tão simples e brilhante que chega a ofuscar.
Há os que estão prontos para descordar, os que pensam encontrar cinismo nas minhas observações e elogios. São, obviamente, os pretensos escritores. Nossos blogs tão vitrines, textos forçosamente naturais, trabalhosos, tudo tentando ser o próximo nas bancas. Comunidades de quem quer ser lido e admirado, comentários que procuram atrair mais comentários. Vendem suas palavras como as putas vendem seus corpos. Isso é natural. A prostituição, tão antiga quanto o mundo.
Quem me ensinou a escrever? Aprendi. Mas a escrita em mim não é natural? Não, em mim ela é tudo, menos natural.
A escrita em mim é uma necessidade, sobrenatural, diria até.
Eu tive fases de estrelismo, confesso. Sou culpado ainda por tentar angariar visitas e comentários para este blog. Quantas vezes fiquei deprimido por ver zerados os comentários? Foi quando descobri que escrever não é natural que tudo fez sentido.
Não preciso que leiam, não preciso que digam o que acharam, não preciso elogios descomplicados.
Meu blog não é mais vitrine. Sabe por quê? Porque o importante é escrever e isso se basta. A famosa busca da arte pela arte.
Aqui é só uma forma de arquivar o que escrevo, permitir que leiam, por que não? O que eu estou tentando dizer é que escrever não depende da audiência. Eu escrevo para mim.
Há os que se declaram poetas, escritores, contistas, cronistas... Cansei.
Eu já escrevi nas paredes do meu quarto, nos vidros da janela e em todos os espelhos da casa. Eu já escrevi nas minhas roupas, nos meus estojos e atrás de todos os cadernos. Eu já escrevi de carvão na rua, de tijolo na calçada e de tinta no muro. Eu já escrevi nos relatórios, entre as folhas de um jornal e em guardanapos de bar. Eu já escrevi entre os pêlos da minha perna, entre as tatuagens das tuas costas e em algumas agendas também. Eu já escrevi entre as receitas da minha mãe, entre os dedos da minha mão e em algumas fórmulas do Excel. Eu já escrevi nas fotografias do álbum, na terra com os dedos, com água nos azulejos. Eu já escrevi com meu sangue, com café e com suco de limão. Eu já escrevi no vapor dos vidros, contos inteiros nas teclas do celular e frases cifradas para ninguém decifrar. Eu já escrevi o que não queria que lessem (e leram), já escrevi o que não queria escrever (e odiei), já escrevi cartas simplesmente rasguei (e chorei). Já escrevi poemas que deixei entre os livros, mensagens que "perdi" nos armários da biblioteca, e palavras soltas na porta de um banheiro. Eu já escrevi debaixo do tampo da mesa, atrás dos quadros, por dentro dos armários. Eu escrevi o que você nunca irá ler e foram meus melhores momentos. Eu escrevo textos enquanto ando nas ruas, enquanto o ônibus demora para chegar e enquanto estou nas aulas de Latim. Eu escrevo com fúria e com força, com vontade e caneta (nem sempre). Eu já escrevi nos tecidos da minha avó, nas ferramentas de ferro do meu avô e entre os recibos do meu pai. Eu já escrevi aos meus amigos, aos meus demônios, aos meus inimigos e sem rancor. Eu já escrevi de fita vermelha na máquina de escrever, porque a preta acabou. Eu já fiz textos inteiros no bloco de notas e já fechei programas sem salvar. Já fiz poemas à lixeira, perdi todos textos salvos e queimei folhas cheias de mágoas. Tenho um livro escrito que não quero publicar, ganhei concursos com poemas que me envergonham só de ler, já fiz sucesso com o que hoje acho tão banal.
Sei que escreveria a Bíblia com meus papéis perdidos, gavetas cheias de papéis sujos de letras, há tantas pessoas, nos meus contos esquecidos, que jamais poderão viver. E quando vem é incontrolável, amoral e sem sentido toda essa angústia nua da arte de escrever.
Aprendam: Ser escritor é uma conseqüência de escrever, não uma causa para.

4 comentários:

  1. A famosa busca da arte pela arte.
    O tipo de texto que se lê mesmo sem querer e sem dar tempo, mas os olhos simplesmente escorregam pelas letras.
    Parabéns por esse dom!

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  2. É por isso que lhe admiro cada vez mais, mano querido.
    Texto perfeito, concordo plenamente com o comment da Daiane...
    Vc é mestre das letras, por natureza...
    Bjão

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  3. Esse foi um dos melhores textos que eu já li sobre a escrita.

    Eu não escrevo tão bem quanto você e talvez nem tenha escrito tanto, mas me indentifiquei muito com o seu texto.

    A escrita não é natural mesmo. É uma força, uma necesidade de dizer, uma necessidade... de sei la, uma necessidade. Quando eu era criança, eu tinha duzias de cadernos com anotações, pensamentos, ideias, coisas de todo tipo. Era compulsivo. Eu gastava o dinheiro que ganhava dos meus pais nisso. Quando viajava, levava um dos cadernos pra escrever qualquer coisa, escrever o que estava acontecendo lá fora, escrever o que se passava na minha cabeça, escrever o que meus pais podiam estar pensando, escrever sobre a musica que estava ouvindo. Com o tempo, isso foi morrendo um pouco em mim pelos comentarios nada motivadores dos meus pais, mas eu ainda sinto isso. Essa coisa estranha...

    Eu não escrevo, não sei, como você. Talvez, meu desejo seja bem menor que o seu. Talvez nem seja nada do tipo, mas eu entendo tudo que vc diz perfeitamente.

    Outra coisa que eu me indentifiquei foi com a questão do estrelismo. Eu me sinto exatamente como você diz as vezes, que eu espero um publico, eu escrevo para um publico, o que torna minha escrita mecanica, as vezes, vazia e sem sentido pra mim, mesmo que tenha pras outras pessoas. Até por isso, que eu tenho outro blog completamente secreto que eu escrevo só pra mim coisas malucas, tudo que passar pela minha cabeça sem me preocupar se alguém vai ler...

    Mil desculpas por esse relato todo, mas seu texto realmente me empolgou...

    Parabéns, está escrevendo cada vez melhor

    E... você não vai precisar que eu te diga porque você escreve
    Você mesmo já encontrou XD

    Sucesso, Anjo!

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  4. Quero ver, quero ler, quero um dia sentir, tua velhice e teu legado.

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