terça-feira, 2 de setembro de 2008

Quase DDA

"Solução melhor é não enlouquecer mais do que já enlouquecemos"

Laudos, fichas, relatórios. "Versos, cartas, minha cara".
A mesa repleta de entulhos, gavetas regurgitando documentos. Telas piscando por atenção, telefone em sinfonia desacreditada. Ruído das máquinas, roída a parede, muito sol para a calculadora solar. Tantos cálculos a fazer, tantas fichas para cadastrar, tanta gente para atender.
Pausa.
O mundo girando, muitos quilômetros por hora, a gente nem nota.
Pausa.
No meio da manhã, quisera eu tranqüila, o corpo fixo no meio da sala, o olho fixo no meio da rua. Tudo suspenso, sem piscadas ou respirações. Pensando em quê? No nada absoluto, uma vez que não pensar é impossível.
Momentos de transe, tão meus e tão seus. Pensando em quê? Não sei. Às vezes sinto que naqueles momentos de... meditação, quem sabe, resolvi grandes questões do meu pequeno universo, eu tenho as respostas. Quando volto ao mundo não as trago junto. Como se eu pudesse ter as soluções, mas fosse mais divertido ficar sem elas.
Play.
Imprevisível como a ida é o retorno. Nada acontece em especial, de repente é um sacudir de cabeça e os olhos ganham vida novamente. Continua-se a rotina, do ponto onde estancou. Quase como um filme.
Mais laudos, mais fichas, mais relatórios.
Pausa.
Geralmente são menos freqüentes, eu sei.
Turbilhões de coisas a serem feitas, mas tão interessante aquele papel sobre a mesa... Quadrado, pequeno e sujo de letras pretas.
Primeiro dobro um cantinho, depois, em sentido contrário, mais uma dobra, de mesma altura.
Pensando em quê? Não sei. Acho que na importância de dobrar aquele papel assim, sanfonadinho. Toda minha vida, todo sentido da minha existência, ali, tomando forma nas mãos.
Dobrar para um lado, dobrar para o outro.
Você sabe quantas conexões nervosas o cérebro executa por segundo? Eu também não, mas devem ser muitas.
Pausa.
Mais de um minuto, sem dúvida, e eu ali, dobrando o papelzinho. Energia e concentração fixas em fazer dobras regulares. Nada bonito, nada artístico, nada representativo.
Um homem, do lado claro da vida, dobrando um papel na mesa do escritório.
Dobrei bonito, tanto quanto minhas mãos permitiram. Mãos macias, aparentando bom trato, de carinhos ora firmes, ora delicados. Aliança de prata na mão direita, a esquerda nua. A manga de lã cobrindo os dedos até a metade, mania maldita, diz minha mãe, suja os punhos. Eu gosto assim, mãos sempre cobertas, apenas os dedos longos entrevistos de passagem. Mãos tremelicas, pouco firmes e muito rudes para imprevistos trabalhos manuais. Cunhadas mais para toques do que para artes, pelo menos estas, plásticas. Artes mágicas e gráficas, até que executam bem.
Penso nas mãos. Penso no papel.
Penso em quê? Não sei.
Olho o papel e até que ficou engraçadinho. Não bonito, nem simpático, engraçadinho. Parece meio deformado, como se saído de uma pintura surreal, quando visto assim de cima. O que era quadrado virou losango. Abro a gaveta, arrumo espaço e guardo. Deu dó de jogar no lixo fácil, ao lado da mesa, sempre ao alcance das mãos.
Play.
Outros laudos, outras fichas, outros relatórios.

Um comentário:

  1. Adorei o clima pscicologico!

    Pausa.
    Incrível como minucias são o grande difereça do dia a dia. Eu gosto muito de olhar os formatos das nuvens... Bobagem
    Pena que a vida faça isso com a gente. Fazer tem que continuar u.u
    Play.

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