quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Tesouro I

A sineta toca e todos correm cansados, cabelos colados num misto de suor, poeira e a água das mãos mal-lavadas. A fila se forma em algazarra de gritos e empurros. Meninos de um lado, meninas de outro.

Quando a professora entra no saguão quase todos se calam, olhos em gula. Ela traz debaixo do braço uma caixa enfeitada. Papel colorido e laço de presente. Vozes de “É pra mim? Não, é pra mim!” tomam os meninos. Ninguém tem coragem, mas todos anseiam perguntar: “Para quem é, professora?”

Seguem mudos pelos corredores, crianças expectantes, olhos fixos no que conseguem fisgar da caixa. É grande, como uma de sapatos. Será de caramelos? Será daquelas bonequinhas e daqueles carrinhos de balão surpresa? Será de bom-bons? Será de mamutes malteses?

Entram na sala. Os olhos secam na falta de piscar. A professora calma, porque sabe o segredo, pega no giz e escreve, logo abaixo da data e da frase de do dia: “O Tesouro”. E a coisa toda começa.

Então é você, olhando cada um ir até lá, receber a caixa enfeitada, abrir uma fresta e espiar lá no fundo...

Então é você, vendo eles sorrirem uns aos outros com cumplicidade medonha, por saberem também o segredo da caixa. É você a ver todos se perfilando lá, na frente das classes, dizendo o nome do próximo a quem dão O Tesouro.

Então é você esperando que a Patrícia, ao menos a Patrícia, a penúltima, indique você, mas ela não indica ninguém. Então você é o que sobra.

Então lentamente é você, sentado na última classe da última fila, fingindo não ter notado que ninguém escolheu te dar O Tesouro.

Então é você que a professora chama, sorrindo com brilho de mortal compaixão. É ela quem diz “Vinícius, o tesouro por fim é seu. Só seu”.

Então é você andando com 27 pares de olhos filmando cada passo em vacilo. É você pegando a caixa nas mãos e fazendo da boca o que é para ser o arremedo de um sorriso torto.

Então é você o último a abrir, o último a espiar, o último a saber o segredo do tesouro.

E então, no fundo, o tesouro é você refletido de dentro da caixa, no espelho colado.

Agora, quando todo mundo já sabe e já viu, a professora manda voltarem aos lugares e explica toda em tons de magistério : “O Tesouro de cada um, é cada um”.

É isso? É só isso?

Então é você que, por ter sido o último, volta para casa com a caixa de espelho nas costas, carregando na mochila o que parece ser apenas ouro de tolo.


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