quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

As meias

De natal, ela esperava ganhar uma felicidade, não A Felicidade. Para ela bastava uma felicidade qualquer e nem precisava ser muito grande. Tinha o coração tão apertado que a felicidade completa sequer caberia. Qualquer felicidade usada já serviria, mesmo gasta, mesmo empoeirada, mesmo rasgada. Ela poderia remendar, não poderia? Poderia pintar, poderia limpar, poderia colocar na lapela e poderia fingir que era nova. Não poderia? Não? Por que não?

Ah, com que orgulho ela mostraria a todo mundo aquela felicidade micha, amarelecida pelo desuso. Ela correria nas ruas, como se fosse uma criança, e não a velha que era, e exibiria a quem quisesse ver: “Você ganhou uma bicicleta? Grande coisa, eu ganhei uma felicidade, olha. E é só minha, de mais ninguém no mundo!”

Quando chegasse a noite, ela dormiria exangue, agarrada com unhas sujas à felicidade puída. E, no raiar do sol, se amanhecesse viva, é claro, veria com olhos novos a felicidade velha. Veria com outras cores e ainda com mais alegria o presente do Pai Noel. Porque também com as crianças é assim: na manhã seguinte tudo brilha ainda mais intensamente. Acho que é medo da felicidade só ter existido em sonho.

Fato é que, ao invés da felicidade, deram à velha um par de meias de lã. Ela sorriu agradecida, embora acabrunhada. É que era verão... e ela tinha tão pouco tempo. Qualquer coisa que ganhasse, não viria a usar. Por que não lhe deram a felicidade? Mesmo que curta, pequena ou feia, dessa ela faria bom uso. Mas eles não entendiam... Queriam aquecer pelos pés o gelo que lhe faziam no peito. Deram-lhe as meias, foram-se embora do asilo, para a ceia-natalina-em-família. Como em família, se a vó ficava ali? De meias na mão e nenhuma felicidade no bolso?

2 comentários:

  1. Humpf!
    Ela merecia um final feliz.
    Final este que eu não consegui dar.

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  2. Finais felizes não são tão fáceis de ter ou se dar. Eu gostei do conto mesmo com o final triste. :)
    Dizem que felicidade pode ser a ausência da tristeza também. Pena não ter acontecido isso com a senhora do texto.

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