Foi então que a avó, meio fada, meio bruxa, deu à menina o gaveteiro. Todo em madeira trabalhada e pouco maior do que uma caixa de bom-bons, o gaveteiro tinha três gavetas, todas muito bem trancadas.
— Minha querida... Este gaveteiro me foi dado quando eu tinha a sua idade. Eu jamais tive a coragem necessária para abri-lo, mas confio que você a terá.
A simpática velhinha entregou-lhe também uma chave, muito dourada, explicando que ela serviria em todas as gavetas.
— Mas vovó, o que tem aqui dentro?
— Dentro de uma destas gavetas está a felicidade.
— E das outras?
— Não sei...
Despediram-se emocionadas, porque a menina bem sabia que a avó não duraria até o seu próximo aniversário.
Chegando em casa, coração aos pulos, a jovenzinha foi ao quarto, experimentar a chavinha nas gavetas. Antes que conseguisse girar e abrir, no entanto, chegou uma de suas amigas.
Curiosa com aquela caixa antiga, a amiga quis saber o que era. A menina, com sua inocência e bondade contou. A outra arregalou muito bem os olhos quando soube que ali estava a felicidade.
— E você vai abrir?
— Acho que vou...
— E não tem medo?
— Medo? De quê?
— Ora, pense um pouco... se a felicidade está em uma destas gavetas, o que estará nas outras?
— Eu... Eu não sei...
— A felicidade é algo tão precioso que deve estar muito bem guardada. Aposto que nas duas outras gavetas estão castigos terríveis.
— Você acha?
— Tenho certeza! Mas vá em frente... Abra...
— Será?
— Lógico. Quer dizer, eu não abriria se fosse você... Não me arriscaria sem saber em qual delas está a felicidade... Mas se você quer tentar...
A insegurança havia virado uma sombra densa em volta da menina. Mudaram de assunto e foram brincar de bonecas. Mas mal a outra tinha se ido, a pequena parou bem em frente à caixa. E se a amiga tivesse razão? Se ao invés da felicidade, ela se deparasse com coisas terríveis. Conhecia bem a história de Pandora, ah, conhecia. Da última vez que uma caixa fora aberta, o mundo virou no que virou.
Naquelas gavetas poderia haver coisa muito pior... Ah, se podia.
Como esquecer, no entanto, que tinha a felicidade nas mãos? Que por um giro de chave poderia ser feliz para todo sempre?
Infelizmente, o medo foi maior do que a vontade de ser feliz. E quando estava velha velha, a menina passou o gaveteiro à sua neta, dizendo-lhe assim:
— Minha querida... Este gaveteiro me foi dado quando eu tinha a sua idade. Eu jamais tive a coragem necessária para abri-lo, mas confio que você a terá...
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Ser feliz é uma responsabilidade imensa... às vezes não somos felizes por puro medo. Medo do que pode nem existir. Você tem a chave? Então abra o gaveteiro.
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Este meu texto encerra uma espécie de tríduo à felicidade, que começou com As Meias. São três textos que há tempos eu pensava em escrever... Percebam que em todos a felicidade é tomada como algo material, que pode ser dada, escondida ou trancafiada... São mensagens que fazem refletir um pouco, ideais para este fim de ano. Ideais para eu também saber o que ando fazendo com a minha felicidade.
Um obrigado especial ao Sarico, exímio jornalista de quem já fui discípulo, que divulgou o texto anterior em seu blog.
que a felicidade, então, esteja sempre presente em 2010. bom ano.
ResponderExcluirum abraço,
edu