sábado, 26 de setembro de 2009

Intensidades de uma (chuva) insana

Chove. Não, mais do que chove, cai um temporal imenso que deveria lavar toda alma dessa cidade imunda. Mas não lava. Nunca lava. A força da água é tanta que me faz tremer a terra. Eu sinto as vibrações, dedos crispados nas grades da janela. Eu sei, vejo que a qualquer momento as venezianas serão arrancadas pelo vento. As cortinas sugadas para fora, o barulho de panos rasgando, o voal varando o dia, feito fantasma louco. Meus panos voando por cima das casas, encharcando de chuva, até pesarem demais e cairem. Todos corpos mortos. Pássaros abatidos em pleno vôo, baques surdos de cadáveres mudos. Sangue misturando à água e penetrando nas frestas da rua, abrindo fendas entre paralelepípedos sujos.

Então virão as rachaduras na terra. Sulcos erosivos, bocas engolindo ruas, pessoas, casas, automóveis, tudo marrom, tudo banhado de vermelho-terra. O vento arrancando paredes... Da minha casa mesmo, não restará mais do que três partes desse quarto. À beira do mundo, às portas do caos, olhando calado a destruição, estarei eu. Pés no piso.

A tempestade chicoteando meu rosto, lambendo meus olhos míopes, penetrando pelas brechas do meu cabelo. Forças inumanas rasgando minhas roupas, roubando minhas coisas, arrastando pelos ares qualquer brinquedo de criança. O telhado alçando majestoso vôo, meus braços abertos aos céus, em entrega ou súplica, jamais desespero.

De repente tudo pára. Já nem mais chove, agora garoa manso. O som embala os sonos de quem pode dormir. Eu não posso. Há décadas que não durmo, esperando o que está por vir.

E não, ainda não foi desta vez, infelizmente.

Um comentário:

  1. Essa descrição me fez sentir algumas gotas de chuva no rosto, e de algumas lágrimas também. Renda-se e alce voo! Aproveite o impulsinho que o vento dá ;)

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