segunda-feira, 3 de maio de 2010

Deixarei que as unhas cresçam – só o suficiente para que com elas eu possa arrancar a minha pele. Porque hoje uma árvore sem casca me inspirou a isso, com suas sombras surreais. Ela, toda brincando de pintar a calçada com luzes, exigiu meu sacrifício.

Mas eu já sabia. Eu mesmo já havia adivinhado que para escrever – como eu escrevo – é preciso revirar a pele e viver com a carne toda exposta. Eu só não sabia se teria a coragem de me doer inteiro. Talvez eu precise voltar a me sensibilizar em cada parte, porque nossa casca humana filtra a dor e a torna apenas comum.

Escrever me faz sofrer. Isso porque eu me transformo de autor em narrador e de narrador em personagem. Não tem uma dor por mim escrita que eu não tenha me forçado a sentir. E como escrever sem sentir? Imaginando? Não, eu não me presto a contar mentiras. Se eu, por exemplo, escrevo sobre um homem que morre na calçada, é meu o rosto que queima na pedra quente, é em volta de mim que as moscas zumbem, sou eu que vejo o céu pálido e distante, sem porta para os pobres. Sim, João Olegário é meu nome.

Escrever me exige sensibilização, e é isso que evito ao máximo. Pelos dias eu posso passar incólume, pela escrita não. Por isso entregar-me à inspiração (e é esse o nome?) é tão difícil. Há sempre o risco de ficar com uma dor que eu não tinha e nem queria.

Por pura ironia, o não escrever me fere mais. Ficar mudo me deixa apático e daí fico também inútil. Como a árvore, caso não desse nem sombra, nem flores, nem frutos – estando descascada ou não.

É uma questão, portanto, de escolher entre duas dores. Escolha pedante para quem quer se sentir vivo. Afinal, a própria Clarice já rezava: “Enquanto não escrevo, eu estou morta”.

2 comentários:

  1. Ah, como eu entendo essas tuas palavras... Escrever dói, mas não escrever dói mais ainda. E entre a dor de ser e a dor do vazio, fico com a primeira.

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  2. Oi, Vinicius:

    aqui agradecendo sua visita à Casa da Imaginação e lendo seus textos.

    É com as vísceras que você escreve, entendo, quem o lê sente de cara. Beleza nunca falta quando não falta a verdade. Por isso a dor que dói cria encanto a olhos alheios. Foi o que vi e senti. Vi também que você passeia pelos arcanos do tarô. Muito bom. Imagens belíssimas a que vi postadas aqui, da canadense.

    Obrigada e parabéns!

    Vou seguindo.

    Tânia

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