Ághata mandou que eu abrisse as janelas do quarto, porque assim ela não sabe em que mundo eu vivo. Respondi qualquer coisa que a feriu o suficiente para que ela se calasse.
A verdade, Ághata querida, é que também a mim também não me é dada a compreensão do meu mundo. Eu sei que ele é feito de um deserto de terras marrons e gretadas. O céu é de um azul-escuro que empalidece ao horizonte. Árvores, as poucas que têm, são secas como garras e nelas não pousam nem os pássaros de mau agouro.
Talvez eu esteja perdido em algum quadro de Salvador Dali. Só sei que aqui não há quem me salve. Eu estou numa solidão de dilacerar o fígado, Ághata, e nem de você posso mais me aproximar. Compreenda, eu não sei por onde. Eu preciso ser salvo, mas não tenho a audácia de estender a mão. Então eu caminho.
Caminho sem rumo, porque aqui toda estrada leva a lugar nenhum. Vez ou outra alguma corda densa impede que eu me jogue do abismo. Hoje a corda foi uma roupa em que Mariana esqueceu o perfume. O cheiro lilás da blusa branca me pediu para ficar mais. Disse que há – em algum lugar – uma esperança nascendo.
Eu não acreditei. Mas estou aqui, não estou? Ora, pelos malditos céus, como estou aqui. A troco de nada, sem esperança falsa nenhuma – estou. Eu estou e sou orgulhoso demais para dizer que quero sair. Estou porque entrei e acredito que agora mereça a punição de ficar. Estou porque, veja bem, eu não teria outro mundo para ir. Eu não teria forças de escolher outro quadro para pintar e então nele viver. Estou aqui porque me é dado ficar.
Portanto, quando eu peço, Ághata minha, que me deixes ficar, estou é rezando por um socorro. Tu é que não entendes a língua suja das nuvens.
"Vez ou outra alguma corda densa impede que eu me jogue do abismo"
ResponderExcluirBravo! parabéns pela fina escrita