Mostrei o quadro a ela com a paciência santa de um professor. Seus olhos lamberam a tela e então veio a careta:
— Não gostei!— Mas é lindo... — tentei.
— Não. Não é não.
Eu sabia, quando três “nãos” se uniam em uma mesma fala, era melhor não contrariá-la. Ainda assim, tentei sondá-la.
— Por que você diz que não é bonito?
— Porque é feio. E é feio porque é triste.
Então era assim? Apenas assim? A composição das cores, a mistura das formas, o motivo tocante, nada disso importava demais? Nada. Para ela as coisas tristes jamais iriam adquirir o status de beleza.
Para mim abriu-se o contrário. Felicidade demais era o que me incomodava, porque simplesmente não parecia real. Minha arte favorita era sempre a mais triste, porque na tristeza eu via a vida.
Caí cabisbaixo. Eu sou então esse pessimista, feito de noite, enquanto ela, Clarissa, é toda luz do meio-dia. Eu pensava nisso quando já ela se adiantava, via encanto num outro quadro, repleto de crianças e balões coloridos. Mas a minha graça já havia sido desfeita. Não veria mais beleza em parte alguma da galeria.
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Triste ou não, há um conto meu aqui que inspira (e expira) comentários.Não o deixem morrer.
Ah, também vejo beleza na trsiteza, na intimidade plástica que a tristreza cria. Bom, eu sou suspeita, porque gosto da beleza melancólica.
ResponderExcluirAbraços,
Tânia
adorei demais!
ResponderExcluirEu pinto telas e adoro cores frias: roxo, azul, preto, mas não gosto de motivos lúgubres, aquele tipo "já morreu". E também não gosto de motivos muito quentes como aqueles com muitos tons de terra: marrom, laranja, vermelho, amarelo.
ResponderExcluirVini,
ResponderExcluirVocê é uma usina de arte literária. Isso não é um elogio, é uma constatação. Gostei do conto, até achei graça na "pintura" do quadro-dialógo-conto. Se esse conto fosse uma pintura seria assim (ao meu ver): tonalidades sombrias tentando avançar, sem conseguir, em uma grande área alegre e colorida.
Ray