Eu, que já gostei das noites e das profundas tempestades, agora me aprazo todo num dócil sol. Eu, que já falei dos sangues e dos cemitérios vãos, agora me consolo numa brisa morna e mansa. Muda-se, com prazer e dor.
Não consigo mais ser soturno e sério e sorumbático. Não consigo sair à rua sem sentir a benção da luz na pele. A tarde é quente e me faz bem. Meu corpo inteiro se umedece numa sombra fresca e isso me regalia inteiro.
Sol, modorra, coloridos, borboletas e até varejas coloridas me encantam. Dois passarinhos espiam meu livro inútil e fofocam trinados entre eles. Que dizem? Já os gatos, tontos de sono, espiam-lhes por entreolhos. Vale então à pena levantar, correr e caçá-los para comê-los? Pois não vale... Fecham os olhos e voltam ao sono bom. Os dois pardaizinhos ciscam sementes de girassol, bicando galhofeiros entre as pedras sujas. E logo são três. Depois quatro.
Há música ao longe, há risos ao longe, há crianças na rua. A via explode e recria minha infância noutros rostos, refaz minhas delicadezas de pequeno noutras vidas amornadas. Hoje viver é bom. Hoje a primavera, com seu calor que autoriza picolés, é boa.
Sangues, cemitérios e igrejas góticas ao luar, hoje não mais me fazem sombra. São figuras feias de uma representação torta. Período bom, mas período morto. Eu quero é a mansidão dessa vida clara, quero me fascinar com os entardeceres de um ouro líquido, quero respirar o ar de uma noite-estrela.
Quero sorrir, até o choro.
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