terça-feira, 19 de outubro de 2010

Sertralina

Do fundo da piscina, a luz da tarde azul até parece baça. Não é. Eu sei. São meus olhos, ambos cricrilam ao sabor do cloro. A água é gelada, mas a vida já não me dói. Era o ar. O ar é capaz de intoxicar uma vida toda exposta. Eu morreria, eu sei, envenenado pelo ar e suas toxinas de mortal compaixão. Por isso o fundo da piscina. Agora o que me envolve é a água, água de um branco transparente. A água me é boa.

Dentro de mim ainda resta um pouco do infecto ar. Muito pouco. Um ar que teima em me fazer emergir. Um ar que conseguiria, se não fossem as correntes. Eu espero um pouco mais. Eu sei que a água também se pode respirar, mas uma só vez. Eu espero. Apenas imóvel. Talvez em água mais limpa eu visse o céu em sua complexidade azul. Mas o céu é reino do ar. Logo, mau.

Começo a desprender o ar que trago por dentro. Abro a boca. Ele sobe em bolhas que me lembram um pouco estrelas. Lá, na superfície, ele vai espocar, eu sei, contando ao grande ar o sufoco que passou, no fundo d’água. Lá, ele vai dizer assim: “zoloft”.

A água toma o lugar do ar. Com uma liquidez incrível, escorre macia, já não tão gelada e ligeiramente brilhante. À água. A água é boa. A vida é boa. Brindemos, pois.

Um comentário:

Obrigado pelo seu comentário.