Eu me junto pouco aos homens. Sigo a imagem austera do escritor na torre de marfim, perdido na sua própria faiscante loucura. São raros os momentos em que, por exemplo, eu desço ao centro da Cratera. E quando o faço, sempre tenho destino certo: a biblioteca. Por isso, mesmo que eu ande na maior solidão do mundo, sempre tenho as mãos dadas com alguém.
Hoje andávamos de braços Hermann Hesse e eu.
O susto essencial se deu na saída do teatro, para onde fomos depois que eu o peguei na estante. Antes do término, passou por mim uma senhora amiga, a quem eu não via de longa data. Cumprimentou-me cordialmente. Comentei:
- Quanto tempo...
Disse-me ela:
- Quanto tempo para ti. Eu não perco um texto teu. Todo dia entro no facebook para ler o que tu escreves. Parabéns.
Antes de eu me recompor inteiro ela já se fora. Dos meus olhos meio perdidos Hesse riu. Ele sabia o que era sentir isso. Eu não. E o susto talvez não houvesse se dado ali e tão imenso, se pouco antes de eu sair de casa, outra senhora a quem eu sempre admirei a distinção, a sabedoria e a elegância não tivesse me feito elogio maior.
Segui perplexo. Cabeça baixa a pensar. Convidei Hesse para irmos ao mercado. Ele aceitou. No caminho andávamos quietos. Eu pensando naquilo tudo, ele respirando a luz que já não via desde 82.
Eu pensava nos elogios feitos porque por todo tempo eu escrevi sem ser notado. Eu tinha leitores do meu blog (que já está com 7 anos) em todas as partes do país. Leitores que até hoje me seguem com uma devoção desmerecida. Liam-me, sobretudo, as meninas adolescentes, com quem eu me comunicava nas minhas dores melosas e meus amores sensíveis demais. Eu era lido e respeitado pelas minhas letras tontas, mas sempre fora, sempre longe daqui, sempre distante do meu (quase) berço, da minha Cratera (não) querida.
De repente aquelas mulheres haviam descortinado facetas minhas que eu não podia supor. Especialmente lá do alto da minha torre branca. Então eu era lido aqui. Aqui. Aqui. Aqui.
Aqui, onde eu achei que minhas letras jamais alcançariam, apesar das iscas que eu teimava em jogar. Aqui, onde eu vivia bem comum e bem banal, só esperando o casulo romper, as asas se abrirem. Aqui, de onde eu queria (e quis e quero) fugir pra sempre. Então aqui, enquanto eu vivo, elas me lêem. E eu faço parte da vida delas de alguma forma estranha, mesmo que elas não me enviem suas respostas.
Alguém aqui gasta os minutos e me lê sem compromisso. Não só porque me conhecem, não para mexericar, não para agradar. Lêem porque querem. Porque alguma coisa encontram no que eu escrevo. Logo eu, que pensava escrever difícil demais, intrincado demais, pra dentro demais. Logo eu que tive crises, pensando que minha escrita ainda era a do adolescente bobo.
E não é?
Vocês me lêem, então não é.
No mercado eu já começava a me aceitar como coisa lida, como palavra impressa na tela e propagada para longe, respingando tão perto. Ia eu me recompondo, enquanto Hermann escolhia alguns chocolates. Na fila do mercado, a terceira senhora. (E pelas minhas leis tudo que acontece em três tem força a mais). Cumprimentou-me sorrindo com uma intimidade que não experimentamos e disse ser minha fã. Disse que acompanha tudo que eu escrevo e que acha um máximo.
Pasmo novo. Tudo que eu refizera até ali fora perdido. Fiquei apalermado. Hesse rindo sempre, disfarçado, embevecido de presenciar meus sustos. Então assim? Então mais uma?
Em uma cidade como Cratera, tem qualquer coisa de glória em ser reconhecido por uma arte feito a escrita. Ser um expoente (?) de cultura aqui é tão complexo quanto querer ser um artista de cinema - ou um elfo mágico. Impossível praticamente. Por isso que UM reconhecimento aqui é uma coroação de louros. Três, em pouco mais de uma hora é o quê? O nirvana?
Não estou dizendo que sou ótimo por isso. Não estou mergulhado no orgulho besta. Eu sou mesmo o que menos acredita em mim. E se compartilho isso aqui é porque estou surpreso. De verdade. Estou surpreso porque não suspeitava ser lido assim, ou melhor, não suspeitava ser lido Aqui.
Agradeço de imenso a essas três mulheres (que talvez me leiam agora) porque me deram alguma esperança, alguma fé em mim e, melhor ainda, alguma fé na Cratera.
De coração, esse texto é para você três. Obrigado.
Meu AMIGO!!!!
ResponderExcluirFiquei emocionada e imensamente feliz pelo texto!
Sempre comentamos da tua intimidade com as palavras e da habilidade que tens em, através das palavras, externar todo o teu sentimento, tuas vivências, opiniões sobre tudo o que te rodeia. Por isso, não fico surpresa da atitude das senhoras.Fico agradecida por terem te possibilitado essa (acredito que nova)emoção, pois é ótimo perceber que, o que fazemos agrada(pois, de certa forma é para isso que o fazemos, não é? Que graça teria de ensaiar uma dança se não fosse para sermos assistidos ou criar um invento sem que fosse aproveitado por outros...).
Mas o mais interessante é que a platéias que julgávamos quase vazia, está aos poucos nos mostrando que estávamos errados. A platéia que antes era muito virtual, agora está deixando de ser oculta e mostrando que divide os mesmos ares "crateróides" que tu!! Quando a mim, MEU AMIGO, continuo firme na platéia e a cada reconhecimento teu...eu APLAUDO DE PÉ !!!PARABÉNS!!!!
A Big Hug and kisses!!
Karen