O menino do fundo do lago diz silêncios. E ele não gosta que eu atire minhas pedras na água. Eu atiro ainda assim, fazendo ondas que embaralham seus cabelos de ouro.
Quando eu era menor e ainda andava com espelhos nos pés, eu achava que eu era o menino do lago. E que ele era o eu daqui de fora. Besteira. Besteira que me perturba porque eu gostaria que fossemos um. E não somos.
O menino do fundo do lago tem a vida do fundo do lago. As coisas ali perdidas, os peixes de olhos mortos, as plantas baças, o musgo podre, o sol sempre filtrado, a lua refletida no seu céu de água. As ondinhas das pedras que eu jogo.
Eu, aqui, tenho a vida de fora do lago. Os pássaros que voam, o sol bem amarelo, a lua no céu certo - o de ar, as árvores, as casas, as coisas e as pessoas estranhas. Além, lógico, da água que ele manda pras nuvens me jogarem.
Eu bruto, lhe jogo pedras. Ele príncipe, me joga chuva.
Como então pensei que poderíamos ser um? Não somos. A verdade é que eu invejo o menino do fundo do lago porque ele tem uma solidão que não é a minha. Ele tem um domínio e um castelo e um reino, enquanto eu tenho umas meras cartas de ver coisas baças e uns papéis de escrever letras mortas.
Caberia o menino do lago num dos meus aquários de vidro e cristal? Caberia eu - mesmo morto - nas algas e no lodo do fundo? Eu penso em perguntar, ele pensa em responder... Tarde demais. Eu já esfumacei na água, ele já se dissolveu no ar.
Livres dos meninos, céu e lago ganham, então, um só azul. Já não se sabe mais quem reflete a cor de quem.
Todo o resto parece paz.
Ninguém sabe, mas não choverá nunca mais.
Livres dos meninos, céu e lago ganham, então, um só azul. Já não se sabe mais quem reflete a cor de quem.
Todo o resto parece paz.
Ninguém sabe, mas não choverá nunca mais.
Afinal ter a vida e não o reflexo, é ter tudo ou nada?
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