segunda-feira, 1 de março de 2010

Clarissa de volta

Eu passava distraído, me encolhendo entre as sombras, quando vi Clarissa. Choque. Clarissa caída à sarjeta, meia arrastão rasgada, maquiagem borrada, salto da bota quebrado. Clarissa desgrenhada, chorosa, feia e fraca. Clarissa quase preta de rímel escorrido, de sujeira atravancada, de esperança mal lavada. Clarissa pobre, esgotada, sugada, arranhada e maldita. Roída de ratos, desfeita em trapos, Clarissa.

Ela me olhou como quem não reconhece. Eu a olhei como quem não vê. Ela estendeu a mão, pedindo a minha. Eu, em choque, dei. Seus amantes e preferetis, seus concubinos e íncubos, seus namorados e consortes, onde estão, hein, Clarissa? “Não sei...” disse ela com voz em sopro de vela. “...sozinha...” Clarissa nem gente mais era e eu a quis. Eu a quis para provar que sou melhor e que também a morte me pertence. No fundo, eu só a quis para carregar o castigo de tê-la.

Por todo tempo mantive Clarissa segura, no escuro porque as pupilas doíam. Com papas porque o estômago se retorcia. Com bandagens de algodão porque as feridas sangravam. Sem espelhos, mas também sem gaiolas. 

Eu ainda tenho Clarissa no porão. À noite deixo uma janela aberta, tenho a secreta esperança de que um dia ela fique forte de novo... e fuja de mim.

7 comentários:

  1. Ah, Vini, que bom que ela voltou... Terei a chance de conhecê-la, enfim!

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  2. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

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  3. Muitcha bom! Eu consegui visualizá-la nitidamente em sua desventura. Mandou muito bem na descrição! E não queira que ela se vá. Seja otimista! Espere pelo amor dela. ^^

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  4. Nem precisa ser inteligente pra imaginar o conteúdo desse comentário excluído...

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  5. Perseguições à parte, desta vez não era.

    Era só um spam.

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  6. Há quem queira quando ninguém mais quer, e só. Pega, cuida, cura, e não quer mais. Por que será?

    Excelente descrição!

    Abraços.

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