sexta-feira, 9 de abril de 2010

Asno Bruto

Que vontade de ser inútil e fútil. Que vontade de sentar num balanço meu enferrujado e ficar, bocó, contemplando o relvoso nada. Não quero mais empilhar livros. Não quero mais corromper e-mails. Não quero mais ler nem textos meus, quanto mais teus. Quero morrer-me, um pouco só. Um pouco. E só. Só.

Meu Deus, eu preciso ser banal e dizer coisas como “Meu Deus!”. Eu preciso acreditar que Paulo Coelho existe e fingir que Lispector ainda fuma, ressequida e esquálida num apartamento qualquer do Rio de Janeiro. Eu preciso fingir que nunca conheci Clarice.

Eu preciso ser comum a ponto de me deixar cair de amores pelas enchentes e tragédias alheias. Eu preciso me regozijar com o sofrimento do outro, como faz Ághata em suas loucuras, como faz o povo que precisa de sangue vermelho para escorrer na vida.

Eu preciso comer carnes vermelhas pingando. Preciso comer galinha ao molho pardo, como fazia a Clarice de quem eu nunca ouvi falar. Eu preciso erguer construções e trabalhar no sol salgado. Eu preciso deixar de ser Dândi, mas como, São Baudelaire, se a tolice me enfastia e a cultoriedade me chateia?

Ah, o que eu preciso é ficar bem plácido e feliz com mediocridades e banalidades e trivialidades. Eu preciso ganhar na boca o pensamento mastigado, e saber saborear. Não quero mais ser crítico, pensante e culto. Quero a alegria dos que acham simplicidade na própria vida. Quero o gozo, maior ainda, de quem acha a graça da vida alheia. Quero enfim, “Meu Deus”, ser só um asno bruto (mesmo que carnívoro).

5 comentários:

  1. as vezes dá mesmo vontade disso, de ser um total ignorante perante a vida e o mundo, porque é sempre o caminho mais fácil, sermos totalmente controlados e limitarnos ao nosso senso comum. Mundo dificil para os pensadores hein :b

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  2. Eu já quis tudo isso...
    Mas desisti. Decido que prefiro viver batendo com a cabeça na parede. Mas viver. Pagar o preço. Sem máscaras. Deixo a banalidade e a felicidade pros outros. Saboreiem-na!

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  3. Eu só me contentaria a comer carne vermelha pigando sangue. To num regime lascado por conta de colesterol rsrs
    Belo texto. Parabéns. As palavras se fundem feito um sussuro.

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  4. gostei muito mesmo deste texto! talvez seja porque eu também queira um pouco mais da simplicidade da vida e, assim, relaxar das obrigações de ser "adequada". Acontece que até podemos viver assim por lapsos de tempo, mas uma hora ou outra seremos chamados a "pensar" ativamente e é nessa hora que vai valer a pena ter se preparado.
    Eu guardaria esse seu texto para aqueles momentos sagrados da preguiça necessária, do isolamento benfazejo e do instante em que queremos fazer comunhão com a humanidade.
    Ray

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  5. Não sei o que comentar... Não me apetece sequer comentar... aqui já é madrugada alta. Gostei do que li e para mim isso basta!

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